Vacina contra Covid-19: como a mRNA-1273 se comportou nos primeiros testes?
Embora os resultados mais recentes do estudo britânico RECOVERY apontem para benefício com o uso de corticoide em casos de Covid-19 com necessidade de oxigenoterapia, não existem evidências científicas robustas o suficiente para apoiar a recomendação de outras medicações. Diante desse cenário, uma vacina eficaz tornou-se uma das grandes necessidades para o controle da doença e diminuição de seus danos.
A mobilização da comunidade científica pode ser demonstrada pela quantidade de vacinas em desenvolvimento registradas, algumas em fases mais avançadas. O Brasil, como país em que ainda há grande circulação de SARS-CoV-2, é um dos locais em que voluntários estão sendo recrutados para o teste de duas vacinas. Entretanto, por estarem nas fases iniciais do processo do estudo, os resultados não são esperados tão cedo.
Enquanto resultados definitivos com as vacinas no território brasileiro ainda irão demorar, as análises interinas de outros candidatos de vacina começam a ser publicados. A mRNA-1273 é uma vacina de nanopartículas lipídicas encapsuladas, com RNA mensageiro modificado que codifica a glicoproteína S. Essa proteína viral é necessária para a entrada do vírus na célula e, por esse motivo, é um dos alvos principais para estratégias terapêuticas ou profiláticas.
Os resultados preliminares de fase 1 dessa vacina foram publicados na The New England Journal of Medicine.
Vacina contra Covid-19
O estudo publicado é um ensaio clínico aberto, de fase 1, desenhado para testar a segurança, reatogenicidade e imunogenicidade da mRNA-1273 em voluntários humanos adultos saudáveis.
Os participantes eram elegíveis se fossem saudáveis e tivessem entre 18 e 55 anos e foram alocados para receber duas injeções – com 28 dias de intervalo entre cada uma – nas doses de 25µg, 100µg ou 250µg. Não houve rastreio para infecção presente ou passada por SARS-CoV-2 por PCR ou sorologia antes da entrada no estudo.
Além de visitas médicas regulares, os voluntários registraram reações locais ou sistêmicas por sete dias após cada injeção e quaisquer medicações tomadas no período. A resposta imunológica com a produção de anticorpos foi avaliada pelo método ELISA. A atividade neutralizante induzida pela vacina também foi avaliada, assim como a resposta celular mediada por células-T. As dosagens foram comparadas com as respostas imunológicas encontradas em soro de plasma convalescente de 41 pacientes recuperados de infecção por SARS-CoV-2.
Resultados
Os resultados estavam disponíveis para 45 participantes, dos quais três não receberam a segunda dose da vacina (dois no grupo que recebeu 25µg e um no grupo que recebeu 250µg). Nenhum evento adverso grave foi relatado e somente um participante foi retirado do estudo devido à presença de urticária, que foi considerada como relacionada à primeira injeção da vacina.
Em relação aos eventos adversos locais, a grande maioria foi leve ou moderada, sendo dor local o mais comum. Eventos adversos sistêmicos foram relatados em 33% dos participantes do grupo de 25µg, 67% nos do grupo de 100µg e 53% nos do grupo de 250µg. Todos foram classificados como leves e moderados. Esses eventos foram mais frequentes após a segunda injeção (54% no grupo de 25µg e 100% nos grupos de 100µg e 250µg).
Os eventos mais comumente reportados – presentes em mais da metade dos participantes foram: fadiga, calafrios, cefaleia, mialgia e dor no local da injeção. Febre somente foi relatada após a segunda injeção e somente nos grupos de 100µg e 250µg, com maior frequência no último.
Anticorpos IgG contra a glicoproteína viral aumentaram rapidamente após a primeira dose da vacina, com soroconversão em todos os participantes até o D15. Respostas dose-dependentes foram evidentes após as duas injeções. Para as doses de 100µg e 250µg, a magnitude das respostas de anticorpos após a primeira injeção foi semelhante às encontradas no soro convalescente de pacientes recuperados. Após a segunda dose, a magnitude média em todos os grupos de doses estava entre os 25% maiores valores encontrados no soro convalescente.
Avaliando a produção de anticorpos neutralizantes, menos da metade dos participantes apresentaram valores detectáveis após a primeira vacinação e efeito dose-dependente foi observado. Entretanto, após a segunda vacinação, a presença desses anticorpos foi detectada em todos participantes. As maiores respostas foram encontradas nos grupos com doses de 100µg e 250µg e as menores no grupo de dose de 25µg.
Para a análise das respostas celulares, somente estavam disponíveis os resultados dos grupos que receberam 25µg e 100µg, com predominância importante da expressão de citocinas Th1, como TNF alfa, IL-2 e INF-gama. Respostas mediadas por células-T CD8 foram detectadas em níveis baixos após a segunda vacinação com dose de 100µg.
Mensagens práticas
- Esses resultados preliminares mostram que a mRNA-1273 é uma candidata à vacina contra SARS-CoV-2 com um bom perfil de segurança e capaz de elicitar resposta imune com produção de anticorpos em indivíduos adultos saudáveis.
- Mais dados são necessários para determinar se esses resultados se refletem em proteção efetiva na população. Vale destacar que ainda não há correlatos de imunidade definidos para infecção por SARS-CoV-2.
Autora:
Infectologista pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) ⦁ Graduação em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro
Referências bibliográficas:
- Jackson LA, et al. Na mRNA Vaccine against SARS-CoV-2 – Preliminary Report. The New England Journal of Medicine. DOI: 10.1056/NEJMoa2022483
Covid-19: como funcionam as duas vacinas que serão testadas em voluntários brasileiros?
Duas vacinas diferentes contra o novo coronavírus, causado da Covid-19, ambas em fase avançada de testes clínicos, estão sendo testadas no Brasil. Os testes contam com a participação de 11 mil voluntários, de diferentes estados do país. Produzidas no exterior, em parceria com instituições de saúde nacionais, essas vacinas são consideradas as mais promissoras do mundo no momento; segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Leia também: Covid-19: onde estamos nas terapias medicamentosas?
Quais são as vacinas em teste no Brasil?
A primeira é uma iniciativa da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Seus testes já estão m andamento envolvendo mil pessoas no Rio de Janeiro e outras mil em São Paulo, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Estão sendo selecionados profissionais de saúde de 18 a 55 anos pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em São Paulo, e pela Rede D’Or São Luiz e o Instituto D’Or (Idor), ambos no Rio de Janeiro.
A segunda vacina é desenvolvida pela empresa Sinovac Biotech, da China. Ela já foi autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a realização dos testes em voluntários brasileiros em parceria com o Instituto Butantan, em São Paulo. Essa fase do estudo vai selecionar 9 mil profissionais de saúde nos seguintes estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e Brasília.
Em São Paulo, os testes serão realizados a partir do dia 20 de julho. As inscrições já estão abertas a partir do dia 13 de julho, através de um aplicativo que ainda será lançado pelo Governo do Estado de São Paulo. Podem ser voluntários os profissionais de saúde da ativa, que residirem perto de algum dos centros de análise e que ainda não tenham se contaminado com o novo coronavírus.
As mulheres não podem estar grávidas ou planejarem uma gravidez nos próximos três meses. Outra restrição é que não possuam doenças instáveis ou necessitem de medicações que alterem a resposta imune.
Como funcionam as duas vacinas que estão sendo testadas no país:
Vacina ChAdOx1 nCoV-19, de Oxford
Atualmente, esta é a mais avançada vacina contra o novo coronavírus em desenvolvimento, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
É produzida a partir do ChAdOx1, uma versão atenuada do vírus causador de gripe em chimpanzés, com modificações genéticas que impedem a infecção em seres humanos. O material genético foi incorporado ao vírus ChAdOx1 com a presença de uma proteína chamada glicoproteína de pico. Essa proteína desempenha um papel fundamental no processo de contaminação, se conectando a receptores presentes nas células humanas para invadi-las e causar a infecção.
O objetivo do estudo é fazer com que o sistema imunológico do corpo humano reconheça a glicoproteína de pico e crie uma defesa contra ela. No país, 2 mil participantes estão sendo selecionados em São Paulo, pela Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp), e no Rio de Janeiro, pelo Instituto D’Or. Com a ampliação de testagem para 5 mil participantes nos próximos meses.
O grupo de controle receberá uma vacina utilizada contra a meningite, que provoca sintomas parecidos. Todos os voluntários irão preencher um diário virtual ao longo de sete dias relatando os seus sintomas, sendo monitorados por três semanas e realizarão exames de sangue constantes.
A previsão é que os resultados preliminares desta fase sejam divulgados até novembro, com os primeiros lotes da vacina sendo utilizados até dezembro deste ano.
Saiba mais: Anvisa alerta a profissionais de saúde para falsificações de medicamento e vacina
CoronaVac da Sinovac
A Sinovac Biotech, com sede em Pequim, já desenvolveu uma vacina que impediu o contágio de macaco-rhesus com a Covid-19, com oito animais recebendo duas doses da vacina CoronaVac. Eles foram expostos três semanas depois ao novo coronavírus, mas nenhum deles contraiu a doença.
Os testes realizados no laboratório induziram a produção de anticorpos em mais de 90% dos pacientes que receberam a dose.
Em maio, a revista Science publicou os resultados de testes realizados com essa candidata a vacina em ratos e macacos-rhesus. Ambos os grupos vacinados mostraram proteção parcial ou total contra a enfermidade, com os anticorpos conseguindo neutralizar o vírus.
Os primeiros testes com seres humanos começaram na China no dia 16 de abril. Sendo considerada eficaz nos testes, a vacina poderá ser produzida no país e disponibilizada no Sistema Único de Saúde (SUS) a partir de junho de 2021, segundo a previsão do Governo do Estado de São Paulo.
Vacina nacional
Além dessas duas iniciativas, há também uma vacina nacional sendo desenvolvida pelo Instituto Butantan em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e com a Universidade de São Paulo (USP). No entanto, ela ainda está em estágio de análise pré-clínica.
*Esse artigo foi revisado pela equipe médica da PEBMED
Autor(a):
Jornalista formada pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), pós-graduada em Comunicação com o Mercado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e em Gestão Estratégica da Comunicação pelo Instituto de Gestão e Comunicação (IGEC/FACHA)
Referências bibliográficas:
- Coronavírus: como funcionam as duas vacinas contra covid-19 que serão testadas em brasileiros. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53027318
- Pesquisadores chineses lançam segunda fase de testes de vacina contra Covid-19 em seres humanos. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2020/06/21/pesquisadores-chineses-lancam-segunda-fase-de-testes-de-vacina-contra-covid-19-em-seres-humanos.ghtml
- Portal do Governo de SP. Anvisa autoriza testes da vacina contra o coronavírus; voluntários serão da saúde. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/sala-de-imprensa/release/anvisa-autoriza-testes-da-vacina-contra-o-coronavirus-voluntarios-serao-da-saude/
Vacina contra a Covid-19 apresentou 95% de eficácia em estudo de fase 3 (Atualizado em 26.11.2020)
A Pfizer® e a BioNTech® anunciaram, ontem, 18, que o marco de segurança exigido pelo órgão americano Food and Drug Administration (FDA) para a “Autorização de Uso de Emergência” da vacina contra a Covid-19 foi alcançado. Em comunicado à imprensa, as empresas disseram que planejam enviar uma solicitação ao FDA em alguns dias com base na totalidade dos dados de segurança e eficácia coletados até o momento, bem como nos dados de fabricação relacionados à qualidade e consistência da vacina. Esses dados também serão enviados a outras agências reguladoras em todo o mundo.
Últimos dados da vacina
Uma análise final dos dados de fase 3 demonstrou que a vacina candidata BNT162b2, baseada em RNA mensageiro (mRNA), é 95% eficaz contra a Covid-19, com início 28 dias após a primeira dose. O ensaio clínico de fase 3 da BNT162b2 começou em 27 de julho e incluiu 43.661 participantes até o momento, sendo que 41.135 receberam uma segunda dose da vacina candidata em 13 de novembro de 2020. Aproximadamente 42% dos participantes globais e 30% dos participantes americanos têm origens raciais e étnicas diversas, e 41% dos participantes globais e 45% dos americanos têm idades entre 56 e 85 anos. Uma análise da diversidade de participantes de ensaios clínicos pode ser encontrada em aproximadamente 150 locais de ensaios clínicos nos Estados Unidos, Alemanha, Turquia, África do Sul, Brasil e Argentina. O estudo continuará a coletar dados de eficácia e segurança em participantes por mais dois anos.
A verificação dos dados indica uma taxa de eficácia da vacina de 95% (p < 0,0001) em participantes sem infecção prévia pelo vírus SARS-CoV-2 (primeiro objetivo primário) e também em participantes com e sem infecção prévia pelo SARS-CoV-2 (segundo objetivo primário), em cada caso medido a partir de 7 dias após a segunda dose. A primeira análise objetiva primária é baseada em 170 casos de Covid-19, conforme especificado no protocolo do estudo, dos quais 162 casos de Covid-19 foram observados no grupo placebo versus 8 casos no grupo da vacina. A eficácia foi consistente em dados demográficos de idade, sexo, raça e etnia. A eficácia observada em adultos com mais de 65 anos de idade foi superior a 94%.
Efeitos adversos da vacina
Até o momento, o comitê de monitoramento de dados do estudo não relatou nenhuma preocupação séria de segurança relacionada à vacina. Uma revisão dos dados não cegos de reatogenicidade da análise final que consistia em um subconjunto randomizado de, pelo menos, 8.000 participantes com 18 anos ou mais no estudo de fase 2/3, demonstra que a vacina foi bem tolerada, com a maioria dos eventos adversos resolvidos logo após a vacinação. Os únicos eventos adversos de grau 3 (graves) maiores ou iguais a 2% na frequência após a primeira ou segunda dose foram fadiga (em 3,8%) e cefaleia (em 2,0%) após a dose 2. Consistente com os resultados compartilhados anteriormente, adultos mais velhos tiveram tendência a relatar menos eventos adversos e eventos mais brandos após a vacinação.
Produção
As empresas esperam produzir globalmente até 50 milhões de doses de vacina em 2020 e até 1,3 bilhão de doses até o final de 2021. De acordo com o Dr. Anthony Fauci, diretor do National Institute of Allergy and Infectious Diseases e apelidado de “médico da América” pela The New Yorker no início deste ano, “vemos isso com otimismo cauteloso de que até o final deste ano e em 2021, estaremos administrando as doses, primeiro para a prioridade mais alta e, em seguida, para praticamente todos os Estados Unidos à medida que entrarmos em 2021”. A princípio, todas as indicações sugerem que profissionais de saúde e profissionais não médicos essenciais estarão entre os primeiros a receber uma vacina assim que ela for aprovada.
Autor(a):
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Valença ⦁ Residência médica em Pediatria pelo Hospital Federal Cardoso Fontes ⦁ Residência médica em Medicina Intensiva Pediátrica pelo Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Mestra em Saúde Materno-Infantil (UFF) ⦁ Doutora em Medicina (UERJ) ⦁ Aperfeiçoamento em neurointensivismo (IDOR) ⦁ Médica da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) da UERJ ⦁ Professora de pediatria do curso de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques ⦁ Membro da Rede Brasileira de Pesquisa em Pediatria do IDOR no Rio de Janeiro ⦁ Acompanhou as UTI Pediátrica e Cardíaca do Hospital for Sick Children (Sick Kids) em Toronto, Canadá, supervisionada pelo Dr. Peter Cox ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) ⦁ Membro do comitê de sedação, analgesia e delirium da AMIB e da Sociedade Latino-Americana de Cuidados Intensivos Pediátricos (SLACIP) ⦁ Membro da diretoria da American Delirium Society (ADS) ⦁ Coordenadora e cofundadora do Latin American Delirium Special Interest Group (LADIG) ⦁ Membro de apoio da Society for Pediatric Sedation (SPS) ⦁ Consultora de sono infantil e de amamentação.
Referências bibliográficas:
- Pfizer and BioNTech conclude phase 3 study of Covid-19 vaccine candidate, meeting all primary efficacy endpoints. 2020. Disponível em: https://www.pfizer.com/news/press-release/press-release-detail/pfizer-and-biontech-conclude-phase-3-study-covid-19-vaccine. Acesso em: 18/11/2020
- Gallagher G. Pfizer, BioNTech ‘within days’ of submitting Covid-19 vaccine to FDA. 2020. Disponível em: https://www.healio.com/news/infectious-disease/20201118/pfizer-biontech-within-days-of-submitting-covid19-vaccine-to-fda. Acesso em: 18/11/2020
- Merschel, M. Fauci offers a Covid-19 lesson and looks to the future. 2020. Disponível em: https://www.heart.org/en/news/2020/11/17/fauci-offers-a-covid-19-lesson-and-looks-to-the-future. Acesso em: 18/11/2020
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