Chamamos de reações de hipersensibilidade aquelas que ocorrem de forma exagerada ou de forma inapropriada. São reações oriundas de uma resposta normal, mas que em algum momento se processam de forma indevida e algumas vezes promovem um processo inflamatório ou causam lesão tecidual. Estas reações não aparecem no primeiro contato do indivíduo com o antígeno, mas sempre em um contato posterior.
A hipersensibilidade se refere a processos patológicos que são oriundos de interações imunologicamente específicas entre antígenos (exógenos ou endógenos) e anticorpos humorais ou linfócitos sensibilizados. Esta definição exclui alguns distúrbios nos quais os anticorpos não apresentam qualquer significado fisiopatológico conhecido (por exemplo, o anticorpo para tecido cardíaco, que surge após cirurgias cardíacas ou infarto do miocárdio), embora sua presença possa ter um certo valor diagnóstico.
A imunidade adaptativa apresenta-se como uma importante função de defesa contra infecções microbianas, mas as respostas imunológicas são também capazes de causar lesão tecidual ou doença. Os distúrbios causados pela resposta imunológica são chamados de distúrbios de hipersensibilidade. Até mesmo as respostas imunológicas contra antígenos de diferentes fontes podem ser causa subjacente de distúrbios de hipersensibilidade.
- Autoimunidade: A falha dos mecanismos normais de autotolerância resulta em reações contra células e tecidos próprios. As doenças causadas pela autoimunidade são denominadas doenças autoimunes.
- Reações contra micro-organismos: ocorre quando as reações são excessivas ou quando os micro-organismos são persistentes. A resposta mediada por células T contra micro-organismos persistentes pode originar uma inflamação grave, com formação de granulomas; essa é a causa de lesão tecidual na tuberculose e outras infecções crônicas.
- Reações contra antígenos ambientais: a maioria dos indivíduos saudáveis não reage contra substâncias ambientais comuns, em geral, inofensivas, mas cerca de 20% da população responde de forma anormal a uma ou mais dessas substâncias. Esses indivíduos produzem anticorpos IgE que causam doenças alérgicas. Alguns indivíduos tornam-se sensíveis a antígenos ambientais e químicos, quando em contato com a pele, e desenvolvem reações mediadas por células T que desencadeiam inflamação mediada por citocinas, resultando em sensibilidade de contato.
Em todas essas condições, os mecanismos de lesão tecidual são os mesmos, que normalmente apresentam a função de eliminar patógenos infecciosos. Esses mecanismos incluem resposta imunológica inata, anticorpos, linfócitos T, várias outras células efetoras e mediadores da inflamação.
O problema nas doenças de hipersensibilidade é que a resposta é desencadeada e mantida de forma inadequada. As doenças de hipersensibilidade são comumente classificadas de acordo com o tipo de resposta imunológica e o mecanismo efetor responsável pela lesão celular e tecidual.
Qualquer classificação de hipersensibilidade está fadada a ser excessivamente simplificada. Algumas baseiam-se no tempo necessário para o aparecimento dos sintomas ou nas reações a testes cutâneos após exposição a um antígeno (por exemplo, as reações de hipersensibilidade imediata e tardia), no tipo de antígeno (por exemplo, nas reações a drogas) ou na natureza do envolvimento orgânico. Além disso, as classificações não levam em consideração o fato de que possa estar ocorrendo mais de um tipo de resposta imune ou que mais de um tipo de resposta possa ser necessária para produzir uma lesão imunológica.
Coombs e Gell, em 1963, propuseram um esquema de classificação, no qual a hipersensibilidade alérgica do tipo descrito por Portier e Richet foi denominada tipo I, e ampliou a definição da hipersensibilidade para incluir:
As reações do Tipo I, onde os antígenos (alérgenos) se combinam com anticorpos IgE específicos que estão ligados aos receptores de membrana sobre mastócitos teciduais e basófilos sanguíneos. A reação antígeno-anticorpo provoca a liberação rápida de potentes mediadores vasoativos e inflamatórios, que podem ser pré-formados (por exemplo, histamina, triptase) ou recentemente gerados a partir dos lipídeos da membrana (por exemplo, leucotrienos e prostaglandinas). Durante horas, os mastócitos e basófilos também liberam citocinas pró-inflamatórias (por exemplo, interleucina-4 e interleucina-13). Os mediadores produzem vasodilatação, maior permeabilidade capilar, hipersecreção glandular, espasmo da musculatura lisa e infiltração tecidual com eosinófilos e outras células inflamatórias.
As reações do Tipo II (citotóxicas) ocorrem quando o anticorpo (IgG e IgM) reage a componentes antigênicos de uma célula ou elementos teciduais, ou a um antígeno ou hapteno que ficou intimamente ligado a uma célula ou tecido. A reação antígeno-anticorpo pode ativar certas células citotóxicas (células T exterminadoras ou macrófagos) para produzir citotoxicidade mediada por células anticorpo-dependentes. Ela geralmente envolve a ativação do complemento e pode causar aderência opsônica através do recobrimento da célula com anticorpos. A reação se desenvolve pela ativação dos componentes do complemento através de C3 (com consequente fagocitose de célula) ou pela ativação de todo o sistema complemento, com subsequente citólise ou lesão tecidual.
As reações do Tipo III – de imunocomplexos (IC) – resultam da deposição de imunocomplexos Ag-Ac (antígeno-anticorpo) circulantes, solúveis em vasos ou tecido. Os IC ativam o complemento e iniciam, desta forma, uma sequência de eventos que resulta na migração de células polimorfonucleares e liberação de enzimas proteolíticas lisossômicas e fatores de permeabilidade em tecidos, produzindo uma inflamação aguda. As consequências da formação de IC dependem, em parte, das proporções relativas de antígeno e anticorpo contidas no IC. Com um excesso de anticorpo, os IC se precipitam rapidamente onde o antígeno está localizado (por exemplo, dentro das articulações, na artrite reumatóide) ou são fagocitados por macrófagos e, desta maneira, não causam nenhum dano. Com um leve excesso de antígeno, os imunocomplexos tendem a ser mais solúveis e podem causar reações sistêmicas ao serem depositados em vários tecidos.
As reações do Tipo IV são de hipersensibilidade celular, mediadas por células, tardias ou do tipo tuberculina, causadas por linfócitos T sensibilizados após contato com um antígeno específico. Exemplos de linfócitos T induzindo respostas indesejadas são: sensibilidade de contato (por exemplo, a níquel ou plantas, como hera venenosa); as respostas de hipersensibilidade tardia da hanseníase ou tuberculose; a resposta exagerada a infecções virais, tais como sarampo; e os sintomas persistentes da doença alérgica.
Os anticorpos circulantes não estão envolvidos e nem são necessários para desenvolver a lesão tecidual. A transferência da hipersensibilidade tardia de pessoas sensibilizadas para outras não sensibilizadas pode ocorrer com leucócitos periféricos, mas não com soro.
Os linfócitos T sensibilizados que foram desencadeados ou ativados pelo contato com um antígeno específico podem provocar lesão imunológica por um efeito tóxico direto ou através da liberação de substâncias solúveis (linfocinas). Na cultura de tecidos, os linfócitos T ativados destroem as células-alvo após sensibilização pelo contato direto. As citocinas liberadas dos linfócitos T ativados incluem vários fatores que afetam a atividade de macrófagos, neutrófilos e células linfóides exterminadoras
Passados alguns anos, tem-se tornado aparente que a classificação de Coombs e Gell dividiu artificialmente reações de anticorpos relacionadas com seus mecanismo (tais como tipos I, II e III), as quais contribuem para a fisiopatologia de muitas doenças imunomediadas comuns, enquanto inclui reações mediadas pelas células T de hipersensibilidade tipo tardia (HTT) em uma mesma classificação (denominada tipo IV).
VOCÊ SABIA? O termo alérgeno foi utilizado primeiro por von Pirquet, em 1906, para cobrir todas as substâncias estranhas que poderiam produzir uma resposta imune. Subsequentemente, a palavra “alérgeno” passou a ser utilizada seletivamente para as proteínas que causam “supersensibilidade”. Assim, um alérgeno é um antígeno que dá início a hipersensibilidade imediata.
Imagem: Reações de Hipersensibilidade. Fonte: fernandobragança.com.br; adaptado
HIPERSENSIBILIDADE TIPO I:
É caracterizada como uma reação alérgica que ocorre imediatamente após o contato com o antígeno ou alérgeno. Seus sintomas clínicos incluem asma, eczema, febre, urticária e alergia a comida. Geralmente, ela ocorre em pessoas que apresentam algum histórico familiar de alergia.
As reações do tipo I são dependentes de IgE ligadas a mastócitos ou basófilos, pois a partir do momento em que a IgE se liga ao antígeno, ela sensibiliza os mastócitos a degranularem, levando ao processo inflamatório. Ao que parece, quando os mastócitos são ativados há a liberação de citocinas como a IL-3 e IL-4, que atuam nos mastócitos, outras capazes de ativar os linfócitos B a produzirem e secretarem IgE eIL-5, IL-8 e IL-9, que parecem ativar a quimiotaxia e ativação de células inflamatórias ao sítio de inflamação.
A produção da IgE depende da apresentação do antígeno por uma APC e da cooperação entre células B e TH2. Assim que a IgE é produzida ela cai na circulação e se liga a receptores específicos para ela, presentes em basófilos e mastócitos (o receptor de Fc presente nestas células). Apesar de a IgE durar alguns dias, os mastócitos e basófilos permanecem sensibilizados para a IgE por meses, isto devido a alta afinidade que a IgE apresenta para o receptor Fc, o qual evita que a IgE seja destruída por proteases séricas.
AULA PRÁTICA: REAÇÃO DE HIPERSENSIBILIDADE RETARDADA E REAÇÃO DE HIPERSENSIBILIDADE IMEDIATA
Objetivos: Realizar o teste intradérmico (Reação de Mantoux) para demonstrar uma reação de hipersensibilidade tardia
Princípio: Hipersensibilidade dos indivíduos que tem o organismo impregnado pelo Bacilo de Kock à ação de uma “unidade tuberculínica”, revelando deste modo, a existência de um foco tuberculoso em evolução, simplesmente latente ou mesmo extinto.
Segundo o Dr. Hugo Pires, do Instituto Vital Brasil, uma “unidade tuberculinica” é a dose de tuberculina calculada em miligrama de proteínas bacteriana do bacilo de Kock, capaz de induzir uma alergia no homem ou no animal infectado com este bacilo.
Material: Seringa tipo insulina c/ agulha; antígeno (tuberculina ou PPD ) éter, algodão, régua graduada, isopor com gelo
Metodologia:
Com seringa de insulina (1cm3) montada com agulha apropriada injetar 0,1 cm3 da tuberculina na fase anterior do antebraço, formando-se pápula de contorno bem definido;
Ä Fazer a leitura das reações ao fim de 48-72horas medindo, em milímetro, com régua transparente, o diâmetro transversal máximo (em relação com o maior eixo do antebraço). O edema e o eritema não são medidos.
Interpretação: Classificar as reações, nos testes intradérmicos, de acôrdo com os seguinte critério:
± Infiltração com diâmetro inferiores 5mm;
1+ Infiltração com diâmetro entre
2+ Infiltração com diâmetro entre
3+ Infiltração com diâmetro acima de
4+ Infiltração com diâmetro acima de 20mm com área de necrose
OBSERVAÇÕES:
- Na leitura das reações com tuberculina (reações de tipo retardado) não levar em conta os diâmetros do eritema, mas somente da enduração (infiltração);
- As reações positivas, fortes, em geral perduram 3 ou mais dias;
- Nos indivíduos repetidamente injetados com tuberculina (dessensibilização) é comum surgir uma reação local do tipo Arthus, que tem seu acme ao fim de 24 horas, desaparecendo ao fim de 48 horas