DISTÚRBIOS CALCIO

Distúrbios do Cálcio

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INTRODUÇÃO

As alterações do cálcio podem levar a quadros de apresentação dramática, necessitando de cuidados de emergência, ou quadros praticamente assintomáticos.

Os pacientes podem  apresentar  hipocalcemia e hipercalcemia e, para podermos compreender estes distúrbios, comentaremos brevemente a fisiologia do cálcio.

 

Fisiologia Normal do Cálcio

O adulto apresenta cerca de 1.000 a 1.500 mg de cálcio, sendo 99% deste em forma de hidroxiapatita no esqueleto e 1% no compartimento extracelular e tecidos moles. O cálcio apresenta 2 papéis fisiológicos importantes no organismo: nos ossos, confere integridade fisiológica e resistência ao esqueleto; já no compartimento extracelular, é responsável pela manutenção e pelo controle de vários processos bioquímicos.

O cálcio é um íon que predomina no compartimento extracelular e seus níveis séricos são mantidos por alguns hormônios reguladores, como oparatormônio (PTH), a vitamina D e a calcitonina. O objetivo destes hormônios reguladores é manter a calcemia dentro da normalidade (8,5 a 10,5 mg/dL).

A ingestão diária de cálcio é de cerca de 1 g/dia, dos quais 300 mg são absorvidos pelo intestino. O cálcio é absorvido por mecanismo ativo, por meio de metabólitos da vitamina D, principalmente a 1,25 hidroxi-D3, e passivo, por mecanismo paracelular pela ATPase cálcio-dependente.

A excreção do cálcio é realizada pelos rins, processo muito influenciado pelo PTH. Os hormônios reguladores apresentam o seguinte papel no controle da calcemia:

 

PTH: tem secreção regulada pela calcemia, com variação inversa a sua concentração. Age nos ossos levando a aumento da atividade de osteoclastos, aumentando a concentração sérica do cálcio; também age nos rins aumentando a absorção tubular distal de cálcio e aumentando a excreção renal de fósforo.

 

Vitamina D: a principal fonte é a dieta e a síntese na pele. A luz solar transforma o 7-dihidroxicolesterol em pré-vitamina D, quando, após reação de isomerização, forma a vitamina D3. Em sua via de formação após metabolização hepática e, por fim, renal, é formado o metabólito 1,25 hidróxi-D3, cuja principal fonte é o rim. A principal ação da 1,25 é aumentar a absorção intestinal do cálcio; nos rins, sua ação envolve a reabsorção tubular de fósforo. A depleção de vitamina D está associada à diminuição de reabsorção tubular de cálcio, e a sua reposição está associada com o efeito contrário. No tecido ósseo, estimula a diferenciação de osteoclastos e, nas paratireoides, age diminuindo a secreção de PTH.

 

Calcitonina: atua nos osteoclastos, diminuindo sua atividade e, consequentemente, a reabsorção óssea. Quando os níveis de cálcio aumentam agudamente, observamos aumento proporcional de sua secreção. Porém, em situação de hipocalcemia e hipercalcemia prolongada, seus efeitos desaparecem.

 

HIPOCALCEMIA

Introdução e Definições

A hipocalcemia é definida por cálcio total menor que 8,5 mg/dL ou 2,2 mM, ou cálcio ionizado inferior aos limites da normalidade.

Representa condição frequentemente encontrada na medicina. Os pacientes podem apresentar poucos sintomas, mas, em seu extremo, os pacientes podem ter quadros de hiperexcitabilidade neuromuscular grave e tetania.

Etiologia e Fisiopatologia

A hipocalcemia pode ser subdividida em hipocalcemia com baixos níveis de paratormônio (PTH) caracterizando quadros de hipoparatireoidismo, e pacientes com PTH aumentado, o que caracteriza o hiperparatireoidismo secundário.

No compartimento extracelular, 50% do cálcio está sob a forma de cálcio ionizável e o restante ligado a albumina ou formando complexos com outros íons. Porém, esta proporção de cálcio sérico total 2:1 em relação ao cálcio ionizável pode ser alterada por condições como acidose, alcalose metabólica e hiperventilação. Em pacientes com hiperventilação, por exemplo, podemos ter um quadro de parestesias e contrações musculares com estímulo mínimo. Estas são ocasionadas pela redução transitória do cálcio ionizado.

As principais causas de hipocalcemia serão discutidas a seguir.

Hipoparatireoidismo

Distúrbio clínico que se manifesta quando o montante de PTH produzido pela paratireoide é insuficiente para manter o adequado metabolismo do cálcio.

O hipoparatireoidismo pode ser causado por alteração no desenvolvimento da paratireoide, destruição das glândulas paratireoides, diminuição de função da glândula com produção alterada de PTH e alteração na ação do PTH caracterizando os quadros de pseudo-hipoparatireoidismo.

As anormalidades de desenvolvimento da paratireoide ocorrem mais frequentemente como parte de síndromes com malformações congênitas, por exemplo a síndrome de Digeorge, em que os pacientes apresentam alterações faciais, palato em ogiva, doença cardíaca congênita e anormalidades orofaringeanas associadas ao hipoparatireoidismo.

A causa mais comum de hipoparatireoidismo em adultos é a retirada cirúrgica das glândulas paratireoides, secundária às tireoidectomias realizadas para tratamento de câncer da tireoide. Após cirurgias tireoidianas, pode ocorrer hipoparatireoidismo transitório devido a edema ou hemorragia nas paratireoides e, por vezes, à síndrome do osso faminto ou hungry bone syndrome, causada por severo hiperparatireoidismo e, às vezes, secundária à hipomagnesemia pós-operatória.

Outra causa de hipoparatireoidismo é a destruição autoimune das glândulas paratireoides, podendo ocorrer isoladamente ou associada a outras doenças autoimunes. A doença poliglandular autoimune do tipo 1 representa a principal associação de hipoparatireoidismo com outras doenças imunes, que ocorre em 80 a 90% dos casos. Deve-se lembrar ainda as doenças infiltrativas da paratireoide, como hemocromatose, doença de Wilson e doenças granulomatosas.

 

Pseudo-hipoparatireoidismo

Também denominada de síndrome de resistência ao paratormônio. Estes pacientes apresentam achados laboratoriais compatíveis com hipoparatireoidismo com hipocalcemia e hiperfosfatemia, com níveis de PTH aumentados e falta de resposta dos tecidos-alvo ao paratormônio. A hipomagnesemia deve ser descartada antes que o diagnóstico de pseudo-hipoparatireoidismo possa ser feito.

 

Outras Causas

A hipoalbuminemia pode levar à mensuração de cálcio total diminuído. Por este motivo, a concentração de cálcio sérico deve ser ajustada para a concentração de albumina, como na fórmula a seguir:

Ca corrigido = Ca medido + [(4,0-albumina)x 0,8]

Hiperfosfatemia pode induzir o paciente a hipocalcemia, assim como a infusão de citrato também é descrita como causa de hipocalcemia.

O aumento da atividade osteoblástica também é descrito como causa de hipocalcemia e pode ocorrer na chamada síndrome do osso faminto, que ocorre após paratireoidectomia e pode ser distinguida do hipoparatireoidismo pós-operatório devido a hipofosfatemia e níveis aumentados de PTH que apresentam. A presença de extensas metástases osteoblásticas pode causar hipocalcemia e ocorre principalmente nos pacientes com carcinomas de próstata.

Em pacientes críticos, a hipocalcemia pode ocorrer. Na pancreatite aguda, ocorre por formação de complexos de ácidos graxos com cálcio. A hipocalcemia também pode ocorrer em pacientes com sepse grave.

Medicações também são causa de hipocalcemia. Drogas antirreabsortivas, como os bifosfonados, os anticonvulsivantes, entre outros, podem ocasionar hipocalcemia. A Tabela 1 cita as principais causas de hipocalcemia.

Tabela 1: Causas de hipocalcemia

Causas associadas com PTH diminuído

Causas associadas com PTH aumentado (hiperparatireoidismo secundário)

Agenesia da paratireoide (isolada ou associada a outras anormalidades, como na síndrome de Digeorge)

Deficiência de vitamina D

Destruição da paratireoide (radiação, cirurgia, metástases e doenças infiltrativas)

Resistência à vitamina D (raquitismo e osteomalácia)

Autoimune (isolado ou associado à doença poliglandular autoimune tipo 1)

Resistência ao paratormônio (pseudo-hipoparatireoidismo ou hipomagnesemia)

Defeitos de função da paratireoide (alterações genéticas do PTH, hipomagnesemia, síndrome do osso faminto e alteração dos receptores-sensores do cálcio)

Medicações

 

Pancreatite aguda

 

Lise tumoral maciça

 

Metástases osteoblásticas

 

Sepse

 

Hiperventilação

 

Achados Clínicos

O determinante dos sintomas de hipocalcemia é a concentração de cálcio ionizável, portanto, em condições como alcalose metabólica, embora o cálcio total possa estar normal, os pacientes podem apresentar sintomas de hipocalcemia. O aparecimento de sintomas também é dependente da velocidade do aparecimento da hipocalcemia.

Os sintomas são principalmente de hiperexcitabilidade neuromuscular e também de alterações de dentes e anexos; alterações cardíacas e oftalmológicas ocorrem dependendo da severidade e da cronicidade da condição.

A hipocalcemia aguda tem como marca registrada a tetania. Em casos leves, os pacientes apresentam parestesias de extremidades e periorais e, em casos severos, o espasmo carpopedal, laringoespasmo e contrações musculares severas podem ocorrer.

Os sintomas de tetania normalmente ocorrem com concentrações de cálcio ionizável menores que 4 mg/dL. Alguns pacientes mesmo com hipocalcemia severa não apresentam sintomas.

Os sintomas de tetania incluem o aparecimento de parestesias acrais. A ansiedade e a hiperventilação pode exacerbar as parestesias. Os sintomas motores ocorrem em seguida, com mialgias, espasmos musculares, rigidez muscular e o espasmo da musculatura respiratória, que pode levar ao estridor laríngio e cianose.

Os achados clássicos de irritabilidade neuromuscular, como os sinais de Trosseau e de Chvostek, devem ser pesquisados. O sinal de Trosseau consiste na indução do espasmo carpopedal ao se insulflar o manguito de pressão arterial acima da pressão arterial sistólica por 3 minutos. Já o sinal de Chvostek consiste na contração de músculos faciais ipsilaterais ao se percutir o trajeto do nervo facial próximo a orelha.

Convulsões na forma de crises de ausência, focais ou crises tônico-clônicas generalizadas podem ser a única manifestação de hipocalcemia. Alterações de movimento semelhantes ao parkinsonismo com distonias, hemibalismo e coreoatetoses podem ocorrer em 5 a 10% dos casos, assim como disartria e ataxia. Sabe-se que pacientes com hipocalcemia crônica podem apresentar calcificações de gânglios da base, mas a contribuição desta lesão para os sintomas neuromusculares é discutível.

Em pacientes com hipocalcemia severa, pode-se encontrar papiledema e neurite óptica, que melhoram com a correção da hipocalcemia. Alterações psiquiátricas, como labilidade emocional, ansiedade e depressão, também são descritas. Cataratas e, menos frequentemente, ceratoconjuntivite podem ocorrer, mas a correção da hipocalcemia diminui sua progressão. Hipoplasia dentária e alteração da mineralização dos dentes são manifestações crônicas associadas.

Os pacientes podem ainda apresentar disfunção cardíaca sistólica, prolongamento do intervalo QT e arritmias cardíacas secundárias.

As alterações esqueléticas são, em grande parte, dependentes da causa da hipocalcemia, e manifestações endocrinológicas autoimune associadas, como insuficiência adrenal, podem estar presentes.

Exames Complementares

Pacientes com hipoalbuminemia, como os hepatopatas, podem apresentar hipocalcemia laboratorial, sem manifestações clínicas. A fórmula de correção da calcemia de acordo com a albumina já foi comentada previamente. Para avaliação da etiologia da hipocalcemia, devem ser dosados magnésio e fósforo. A hipomagnesemia pode induzir resistência ou deficiência de PTH, levando a hipocalcemia, e a dosagem de fósforo ajuda na determinação do diagnóstico diferencial.

As principais causas em pronto-socorro de hipocalcemia são hipoparatireoidismo, deficiência ou metabolismo anormal da vitamina D, insuficiência renal e hipomagnesemia.

Nos pacientes com hipoparatireoidismo, o cálcio sérico é baixo, com fósforo alto e PTH indetectável e as concentrações de 25 hidroxivitamina D e 1,25 hidroxivitamina D são usualmente normais. Os pacientes com quadro de pseudo-hipoparatireoidismo apresentam quadro laboratorial semelhante, porém os níveis de PTH se apresentam elevados.

Os pacientes com insuficiência renal crônica, que é a causa mais comum de hipocalcemia na maioria das estatísticas, apresentam fósforo elevado, com fosfatase alcalina, creatinina e PTH também elevados. Nestes pacientes, os níveis de 25 hidroxivitamina D estão usualmente normais, mas a 1,25 hidroxivitamina D está diminuída.

Tratamento

O tratamento depende da etiologia e da severidade da hipocalcemia, e será descrito a seguir.

 

Pacientes com Hipocalcemia Leve Assintomática

Pacientes com cálcio iônico acima de 3,2 mg/dL ou cálcio total entre 8 e 8,5 mg/dL são usualmente assintomáticos e podem ser tratados apenas com reposição de cálcio pela dieta ou por meio de formulações de cálcio por via oral. O aumento em 1.000 mg/dia na ingestão de cálcio é usualmente suficiente para controle.

A suplementação de cálcio pode ser feita com carbonato de cálcio ou citrato de cálcio. Apesar do citrato de cálcio apresentar melhor biodisponibilidade, não foi demonstrado superioridade deste em comparação ao carbonato.

Hipocalcemia Sintomática

Os sintomas geralmente aparecem quando o cálcio ionizado é menor que 2,8 mg/dL ou o cálcio total é menor que 7 mg/dL. Estes pacientes apresentam parestesias e sinais de irritabilidade neuromuscular, muitas vezes com sinal de Trosseau e de Chvostek positivos. Neste caso, a preferência é realizar o tratamento com cálcio endovenoso repondo 100 a 200 mg de cálcio elementar (equivalente a 1 a 2 g de gluconato de cálcio). Cada mL da solução de gluconato de cálcio a 10% tem 9 mg de cálcio elementar e, da solução de cloreto de cálcio, o correspondente a 27 mg de cálcio elementar.

Esta reposição deve ser feita em 10 a 20 minutos, diluída em solução salina e preferencialmente administrada via acesso central. Reposições rápidas de cálcio estão associadas a arritmias e até mesmo parada cardíaca.

Após a reposição inicial emergencial de cálcio, deve ser feita reposição lenta de cálcio elementar endovenoso com 0,5 a 1,5 mg/kg/hora. Depois, esta infusão será progressivamente diminuída com a normalização do cálcio, sendo instituída reposição de cálcio por via oral e tratamento conforme a etiologia da hipocalcemia.

A reposição de vitamina D também é recomendada nestes pacientes, e o calcitriol em dose inicial de 0,25 a 0,5 mcg/dia é a medicação de escolha em pacientes com hipocalcemia aguda, pois tem início de ação mais rápido.

Os pacientes com hipomagnesemia devem corrigir tal alteração, pois ela induz resistência e diminui a secreção do PTH. A reposição de 2 g de sulfato de magnésio (2 ampolas a 10% de 10 mL) em 100 mL de salina fisiologica em 10 minutos costuma ser suficiente.

Hipocalcemia Crônica e Hipoparatireoidismo

O objetivo do tratamento é restaurar os níveis de cálcio e fósforo para o mais próximo possível do normal, em geral para níveis de cálcio entre 8 e 8,5 mg/dL. O fator limitante para restauração da calcemia normal é o aparecimento de hipercalciúria com a predisposição de formação de calculose renal.

Inicialmente, o paciente é tratado com a reposição por via oral de cálcio, em doses iniciais de 1,5 a 2 g de cálcio elementar ao dia. A orientação dietética inclui uso de alimentos ricos em cálcio e pobres em fosfato, sendo estas medidas suficientes para diminuir os níveis de fósforo. Caso a reposição de cálcio seja insuficiente para a correção satisfatória da calcemia e da hiperfosfatemia, é recomendada a reposição de vitamina D em dose inicial de 50.000 unidades/dia ou o equivalente em forma de calcitriol 0,25 a 1 mcg/dia.

A calciúria deve ser mensurada rotineiramente nestes pacientes e, caso esteja em níveis elevados, o uso de pequenas doses de diuréticos tiazídicos pode ser efetiva.

Pacientes com Insuficiência Renal Crônica

Raros pacientes nesta situação apresentam-se com hipocalcemia sintomática. O principal objetivo do tratamento nestes pacientes é prevenir a doença óssea, e não corrigir a calcemia.

O objetivo inicial é usar quelante de fósforo, com a preferência pelo uso do carbonato de cálcio (o citrato aumenta a absorção de alumínio). A reposição de vitamina D na forma de calcitriol também é necessária na grande maioria dos casos, principalmente se houver hiperparatireoidismo severo associado.

 

HIPERCALCEMIA

Introdução e Definições

hipercalcemia é definida como cálcio sérico maior que 10,5 mg/dL ou cálcio iônico acima do valor normal. Vários fatores influenciam na dosagem do cálcio sérico, entre eles as proteínas séricas, gamopatias monoclonais, desidratação, distúrbios do equilíbrio ácido-básico, entre outros; portanto, deve-se ter cuidado ao avaliar o paciente com achado de hipercalcemia laboratorial. Apesar de diminuir o cálcio total, a hipoalbuminemia não interfere na concentração de cálcio ionizável. A calcemia deve ser corrigida conforme a albumina.

A ligação do cálcio com as proteínas é pH-dependente. A alcalose aumenta a ligação do cálcio com proteínas e, portanto, diminui o cálcio ionizado; o contrário pode ocorrer em quadros de acidose. Portanto, em pacientes com hipoalbuminemia importante e distúrbios do equilíbrio ácido-básico, é importante verificar o cálcio ionizado e não apenas o cálcio total.

Etiologia e Fisiopatologia

A maioria dos casos de hipercalcemia é causada por aumento da reabsorção óssea, e o cálcio da dieta e sua absorção não parecem apresentar papel predominante. O hiperparatireoidismo e a hipercalcemia da malignidade correspondem a mais de 90% dos casos de hipercalcemia

O hiperparatireoidismo primário é a principal causa de hipercalcemia, ocorrendo na enorme maioria dos casos em ambiente ambulatorial. A maioria dos pacientes é assintomática no momento do diagnóstico. Nestes pacientes, ocorre secreção aumentada de PTH e hipercalcemia como consequência da redução da sensibilidade ao cálcio dos receptores nas glândulas paratireoides.Secundariamente, tem-se aumento da massa das paratireoides. Ocorre 1 caso a cada 500 a 1.000 pessoas. Em 80% dos casos, é causado por adenoma solitário de paratireoide, e em 5% dos casos, o adenoma atinge 2 glândulas paratireoides; em cerca de 15% dos casos, apresenta-se como hiperplasia das glândulas paratireoides, podendo ocorrer de forma esporádica ou dentro das síndromes de neoplasia endócrina múltipla. O carcinoma de paratireoide corresponde a menos de 0,5% dos pacientes.

A hipercalcemia hipocalciúrica familiar, a exemplo do hiperparatireoidismo primário, apresenta hipercalcemia e hipofosfatemia, mas o achado diferenciador é a presença de calciúria relativa. Esta é causada por mutações no receptor-sensor de cálcio, e é transmitida por herança autossômica dominante com 100% de penetrância.

 

A hipercalcemia da malignidade pode ocorrer por vários mecanismos:

produção tumoral do PTHrp: os tumores que produzem PTHrp são principalmente da linhagem epidermoide e incluem carcinoma de pulmão, cabeça e pescoço, mama, células renais, bexiga, entre outros. O PTHrp mimetiza os efeitos do PTH com hipercalcemia, hipofosfatemia, geração de AMP-cíclico e síntese de vitamina D. A produção tumoral de PTHrp é responsável por cerca de 80% das hipercalcemias em pacientes com neoplasias; metástases osteolíticas: o PTH costuma estar normal, assim como o fósforo.

 

As metástases esqueléticas liberam citocinas e outros fatores que levam à reabsorção óssea mediada por osteoclasto;

secreção ectópica de PTH pelo tumor pode ocorrer, mas é um evento raro;

os linfomas podem apresentar hipercalcemia devido à produção aumentada de 1,25 hidroxivitamina D pelo tecido linfoide, que resulta em hipercalcemia por aumento da absorção intestinal de cálcio.

 

A hipercalcemia da malignidade é a etiologia mais comum da hipercalcemia em pacientes internados, sendo que o carcinoma de pulmão e mama representam cerca da metade dos casos. Os pacientes com doenças infecciosas granulomatosas, como tuberculose, hanseníase, histoplasmose e outras doenças fúngicas, assim como condições não-infecciosas granulomatosas, como sarcoidose, granulomatose de Wegener e granuloma eosinofílico, apresentam produção aumentada de 1,25 hidroxivitamina D e com absorção intestinal aumentada de cálcio.

Algumas medicações são associadas com hipercalcemia. A intoxicação por vitamina D resulta em absorção intestinal de cálcio aumentada; também o uso excessivo de álcalis é descrito como causa de hipercalcemia.

O hipertireoidismo aumenta o turnover ósseo. A triiodotironina é descrita como fator que aumenta a atividade osteoclástica e pode ser causa de hipercalcemia.

Em pacientes com insuficiência renal crônica, pode ocorrer hiperparatireoidismo terciário, com função autônoma das paratireoides. A Tabela 2 cita as principais causas de hipercalcemia.

Tabela 2: Causas de hipercalcemia.

hipercalcemia dependente do PTH

hiperparatireoidismo primário

hiperparatireoidismo terciário

hipercalcemia hipocalciúrica familiar

hipercalcemia secundária ao lítio

hipercalcemia independente do PTH

Oncogênica: dependente de PTHrp; metástases osteolíticas e mieloma múltiplo

Excesso de vitamina D: intoxicação por vitamina D; doenças granulomatosas (aumento da conversão de 25-hidroxivitamina D em 1,25-hidroxivitamina D por aumento da expressão da enzima 25-hidroxivitamina D1 alfa-hidroxiase na lesão); síndrome de Williams

Outras causas: tireotoxicose; insuficiência adrenal; insuficiência renal aguda; insuficiência renal crônica com doença óssea adinâmica; imobilização; feocromocitoma; doença de Jansen; doença de Paget

Drogas: intoxicação por vitamina A; síndrome milk-álcali; diurético tiazídico; antiestrogênicos(tamoxifeno); ganciclovir

 

Achados Clínicos

A maioria dos pacientes com hipercalcemia leve são assintomáticos e esta é diagnosticada na maioria dos casos como achado incidental em exame laboratorial; nestes casos, o hiperparatireoidismo primário é a maior causa. Alguns pacientes com hipercalcemia crônica leve apresentam-se com mal-estar inespecífico e outros, após resolução da hipercalcemia, referem melhora do estado geral.

Em pacientes com câncer, na maioria das vezes, a apresentação é com sintomas relacionados à neoplasia, porém, em alguns pacientes, a hipercalcemia é a primeira manifestação de doença neoplásica.

O quadro clínico é representado, em geral, por sintomas inespecíficos como letargia, fraqueza muscular, confusão mental, anorexia, náusea, vômitos, constipação, poliúria e polidipsia. As complicações decorrentes da hipercalcemia são: desidratação, nefrolitíase, nefrocalcinose, insuficiência renal, hipertensão, arritmias cardíacas, úlcera péptica, pancreatite e até coma.

Sintomas gastrintestinais resultam do relaxamento da musculatura lisa; constipação é o sintoma mais comum e anorexia, náuseas e vômitos também podem ocorrer. Sabe-se que pacientes com hiperparatireoidismo têm incidência de 15 a 20% de doença ulcerosa péptica, mas não se sabe se em outras situações de hipercalcemia são associadas com aumento de doença ulcerosa.

Os sintomas neuropsiquiátricos são variáveis, e os pacientes apresentam desde sintomas vagos, como dificuldade de concentração, até alterações de personalidade e depressão.

Quando a hipercalcemia é aguda, a apresentação pode ser dramática, com confusão mental, psicose orgânica e letargia que pode progredir para estupor e coma. Alguns pacientes encontram-se assintomáticos mesmo com calcemia em níveis de 15 mg/dL, enquanto outros se apresentam com sintomas mesmo com calcemia de 12 mg/dL, demonstrando que a apresentação de sintomas é dependente da velocidade em que aparece a hipercalcemia e a presença de outras condições, como uremia.

A hipercalcemia pode diminuir os potenciais de ação miocárdica, o que resulta em encurtamento do intervalo QT e miocardiopatia também é descrita. Hipertensão arterial ocorre com maior frequência nestes pacientes; isto pode ocorrer por alterações renais secundárias a hipercalcemia ou vasoconstrição secundária ao cálcio.

A descrição original do quadro clínico de hiperparatireoidismo descreve profunda fraqueza muscular e miopatia, mas a maioria das séries de casos recentes descreve os pacientes apenas com leve fraqueza muscular ou sem sintomas musculares. Quadros reumatológicos como pseudogota, condrocalcinose e gota são descritos.

O hiperparatireoidismo primário é associado com doença esquelética conhecida historicamente como osteíte fibrosa cística, que se caracteriza por reabsorção subperiosteal das falanges distais e regiões distais da clavícula e em região de escalpo e crânio, tendo a aparência classicamente descrita como ‘sal e pimenta’ e em ossos longos, formando cistos ósseos e os chamados tumores marrons.

Manifestações renais, como a nefrolitíase, ocorre em pacientes com hipercalcemia crônica e quase invariavelmente é associada com hiperparatireoidismo primário, embora a sarcoidose possa ser associada com aumento de formação de cálculos renais.

A hipercalcemia crônica é associada com defeito na habilidade da concentração renal que pode induzir poliúria e polidipsia em até 20% devido a diabetes insípido nefrogênico induzido pela hipercalcemia. Insuficiência renal secundária pode ocorrer por diminuição da taxa de filtração glomerular causada por vasoconstrição direta e por contração de volume induzida por natriurese. Nefropatia crônica intersticial ainda pode ocorrer por calcificação, degeneração e necrose de células tubulares, atrofia tubular, fibrose intersticial e nefrocalcinose secundárias a hipercalciúria.

A crise hipercalcêmica é uma condição emergencial em que os pacientes apresentam-se marcadamente desidratados. Anorexia, náuseas, vômitos e confusão mental ou sonolência são indicativos de gravidade da crise hipercalcêmica. Apesar de profunda desidratação, na maioria das vezes os pacientes não apresentam hipotensão arterial, pois o cálcio aumenta o tônus vascular.

 

Exames Complemetares

A hipercalcemia deve ser confirmada em novas dosagens ambulatoriais e deve-se descartar a influência da hipoalbuminemia e do equilíbrio ácido-básico sobre a concentração sérica do cálcio. Após a confirmação da hipercalcemia, deve-se investigar a etiologia desta. A seguir, sserão discutidos os princípios para estabelecer o diagnóstico etiológico da hipercalcemia:

 

Verificar o PTH

O PTH só pode ser interpretado conjuntamente com a dosagem de cálcio. A presença de PTH elevado em pacientes com hipercalcemia faz o diagnóstico de hiperparatireoidismo primário. As únicas outras possibilidades diagnósticas são o uso de lítio ou a hipercalcemia hipocalciúrica familiar, que evolui com fração de excreção renal de cálcio menor que 1%. Concentração de PTH diminuída é compatível com as outras causas de hipercalcemia.

 

Verificar o PTHrp

A presença de níveis elevados de PTHrp confirma o diagnóstico de hipercalcemia da malignidade, porém este é um teste diagnóstico muitas vezes não disponível na maioria dos serviços.

 

 

Vitamina D e Metabólitos

Níveis elevados de calcidiol indicam ingestão excessiva de vitamina D. A concentração de 1,25 hidroxivitamina D aumentada pode indicar produção deste por doenças granulomatosas ou linfoma e produção renal aumentada da 1,25 hidroxivitamina D secundária ao hiperparatireoidismo. Deve-se observar que a produção de PTHrp não leva a aumento de secreção de vitamina D.

Outras Causas

A presença de níveis diminuídos de PTH, PTHrp e de vitamina D e seus metabólitos sugere outras causas de hipercalcemia, como hipertireoidismo e doença de Paget, que devem ser investigados.

Tratamento

O tratamento da hipercalcemia é dependente da sua severidade. Os pacientes com hiperparatireoidismo e hipercalcemia assintomática leve nem sempre necessitam de tratamento cirúrgico e a maioria destes pacientes pode ser manejada clinicamente, permanecendo com densidade óssea e parâmetros bioquímicos por vezes estáveis por muitos anos.

O tratamento deve ser particularizado em algumas situações. Por exemplo, pacientes com sarcoidose e doenças granulomatosas devem ser tratados com dieta pobre em cálcio, corticoides e tratamento específico para causa. A dose de prednisona em pacientes com hipercalcemia sintomática e doenças granulomatosas é de 20 a 40 mg/dia.

 

Hipercalcemia Aguda

Valores de calcemia maiores que 14 mg/dL classificam o paciente como hipercalcemia grave, que é associada em grande número de casos com confusão mental e necessita de atendimento imediato e agressivo. O tratamento também é recomendado de urgência se calcemia maior que 12 mg/dL e presença de sintomas.

A hidratação vigorosa destes pacientes é o primeiro passo no manejo destes doentes. A hipercalcemia predispõe a desidratação, e a reposição com salina fisiológica é recomendada, sendo frequentemente necessários 4 a 6 litros nas primeiras 24 horas de tratamento, dependendo do grau de desidratação e de comorbidades presentes, como insuficiência cardíaca. Um esquema recomendado é de 300 mL de salina fisiológica por hora, procurando manter débito urinário entre 100 e 150 mL/hora. Os diuréticos de alça podem ser usados conjuntamente, embora sua eficácia para tratamento da hipercalcemia seja questionável; podem, entretanto, prevenir a hiper-hidratação. A dose recomendada é de 20 a 40 mg de furosemida endovenosa ao dia.

A terapia antirreabsortiva óssea é de extrema importância, e os bifosfonados são a droga de escolha. O início de ação dos bifosfonados para diminuição da calcemia demora de 1 a 3 dias, ao contrário da salina que diminui a calcemia em horas. O pamidronato é atualmente o agente de escolha para o tratamento da hipercalcemia da malignidade, embora provavelmente o ácido zoledrônico o substitua como agente preferencial. Alguns autores sugerem dose de 30 mg se calcemia menor que 12 mg/dL; 60 mg se calcemia entre 12 e 13,5 mg/dL e 90 mg se calcemia maior que 13,5 mg/dL em dose única. Outros autores sugerem dose de 90 mg/dia para todos os pacientes, que é a dose com máxima resposta em diminuir a calcemia. A medicação é diluída em salina e deve ser usada em infusão de 2 a 4 horas. A normalização da calcemia ocorre em 70% dos pacientes e a medicação não deve ser repetida pelo menos por 7 dias. A medicação controla a calcemia por 2 a 4 semanas, com média de 15 dias.

O ácido zoledrônico é o mais potente bifosfonado, de uso intravenoso e com efeito imediato. O ácido zoledrônico consegue uma normalização do cálcio em menos de 3 dias, em 80 a 100% dos pacientes. A dose é de 4 mg, infundidos em 15 minutos, e pode ser repetido outras vezes, até normalização do cálcio.

A calcitonina apresenta vantagem de início rápido, podendo ser usada no início do tratamento até o início dos efeitos dos bifosfonados. Entretanto, não deve ser usada isoladamente para tratamento da hipercalcemia, devido à taquifilaxia induzida pelo medicamento.

Outras medicações utilizadas para o tratamento da hipercalcemia são o nitrato de gálio, que é um potente agente antirreabsortivo e deve ser usado por 5 dias consecutivos, em dose de 200 mg/m2. Apresenta nefrotoxicidade e tem início de ação após 5 a 6 dias e, por estes motivos, tem sido pouco utilizada no tratamento da hipercalcemia. A mitramicina também tem ação antirreabsortiva. Usada por via endovenosa na dose de 25 mcg/kg EV em 3 a 6 h de infusão. A Tabela 3 sumariza o tratamento da hipercalcemia.

 

 

Tabela 3: Tratamento da hipercalcemia

 

hipercalcemia leve à moderada (cálcio sérico < 14 mg/dL)

hipercalcemia grave (cálcio > 14 mg/dL)

Hidratação vigorosa com soro fisiológico: 4 a 6 litros em 24 horas. A hidratação isoladamente já causa uma queda significativa da concentração sérica de cálcio

Hidratação, pamidronato* e furosemida, conforme descrito

Pamidronato*: 90 mg IV, durante 4 a 6 horas. Hidratação, furosemida e pamidronato conseguem normalização do cálcio em 90% dos pacientes

calcitonina: 4 a 8 U/kg de peso IM ou SC a cada 12 horas por 24 horas

Furosemida: 20 a 38 mg IV a cada 12 horas, até cada 6 horas. Iniciar apenas após se conseguir uma adequada re-hidratação e boa diurese

 

Corticoides: 1 mg/ kg de peso de prednisona. Deve ser prescrito em linfoma e mieloma e evitado em outras condições

 

 

TÓPICOS IMPORTANTES

 

A interpretação laboratorial da hipocalcemia é dependente de fatores como concentração sérica de albumina e equilíbrio ácido-básico.

 

Para realizar o diagnóstico diferencial das diferentes etiologias da hipocalcemia, é preciso analisar outros eletrólitos, entre eles o fósforo e o magnésio.

 

O tratamento do paciente assintomático é realizado preferencialmente com cálcio via oral e direcionado para a etiologia da hipocalcemia.

Pacientes com crise hipocalcêmica devem ser tratados com cálcio parenteral.

 

O hiperparatireoidismo primário é a maior causa de hipercalcemia em pacientes ambulatoriais e as neoplasias são a maior causa em pacientes internados e em unidades de emergência.

 

O PTH deve ser dosado em todos os pacientes; caso aumentado, o diagnóstico é de hiperparatireoidismo primário.

 

A hidratação com salina fisiológica é o tratamento inicial para pacientes com hipercalcemia.

 

Os bifosfonados são a medicação de maior eficácia para o controle da hipercalcemia, destacando-se o pamidronato e o ácido zolendrônico.

 

 

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