Mecanismos de Resistência aos Antibióticos
Maria Galvão de Figueiredo Mendes Baptista
Tese apresentada para a obtenção do Grau de Mestre em Ciências Farmacêuticas ao Curso de Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, conferido pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia. Faculdade de Ciências e Tecnologias da Saúde. Lisboa 2013. Link: http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/3264/Mecanismos%20de%20Resist%C3%AAncia%20aos%20Antibi%C3%B3ticos%20%20Maria%20Galv%C3%A3o%20Ba.pdf?sequence=1
Os mecanismos de resistência podem ser intrínsecos do microrganismo ou adquiridos por transmissão de material genético ou mutação.(Rice & Bonomo, 2005; Veiga, 1984)
1. Bases genéticas da resistência aos antibióticos
A resistência acontece através de dois grandes mecanismos: mutação num loci do cromossoma ou transferência horizontal de genes, isto é, por aquisição de genes de resistência anteriormente presentes noutros microrganismos. (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007)
Os genes responsáveis pela resistência contidos em plasmídeos, normalmente codificam enzimas que inativam os antibióticos ou reduzem a permeabilidade das células. Em contraste, a resistência conferida por mutações cromossomais envolve a modificação do alvo (Neihardt, 2004).
Quando se fala da evolução das bactérias é imprescindível referir as mutações que possam ocorrer, quer sejam induzidas quer sejam espontâneas.
As mutações são alterações na estrutura dos genes, que podem ocorrer durante a replicação.
As mutações induzidas devem-se à ação da radiação, como por exemplo a ultravioleta ou ionizante, os agentes alquilantes, a hidroxilamina ou a presença de espécies reativas de oxigénio (ROS).
Se o erro for um benefício para a bactéria, como no caso da resistência aos antibióticos, então tenderá a predominar naquela espécie. Assim o maior problema da resistência mediada por mutação é a sua transmissão às gerações seguintes, o que torna a bactéria resistente predominante. (Mayer, 2012; Neihardt, 2004; Veiga, 1984)
A transferência horizontal de genes é um processo de aquisição de material genético entre bactérias da mesma espécie ou espécies diferentes. Pode ocorrer por três mecanismos, transformação, transdução ou conjugação e ainda por transposição. (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007; Todar, 2012)
Este processo de transmissão de genes é possível devido à presença de estruturas específicas no ADN designadas de integrões. Estes são porções de ADN com capacidade para capturar genes que codificam a resistência a antibióticos por recombinação num local específico (Rice & Bonomo, 2005).
2. Transferência horizontal de genes por transformação
Na transformação a bactéria recebe partes de ADN presentes no meio envolvente. A bactéria receptora irá englobar no seu material genético as fracções de ADN adquiridas. Esta porção de ADN tem de ter pelo menos 500 nucleótidos para se conseguir integrar no ADN hospedeiro, e resulta da morte ou lise de outra bactéria.
Este mecanismo foi descoberto em Streptococcus pneumoniae, em 1928 por F. Griffith, tendo sido mais tarde encontrado em Haemophilus influenzae, Neisseria gonorrhoeae, Neisseria meningitidis, Bacillus subtilis e Staphylococcus sp.. Esta capacidade de englobar material genético extracelular e sofrer transformação é designada de competência. Em muitas bactérias, esta capacidade está codificada nos genes cromossómicos, que se tornam ativos em determinadas condições externas.
Em Streptococcus pneumoniae e Neisseria meningitidis ocorre a baixa afinidade para as PBPs, devido à formação de genes mosaicos das PBPs. Os genes mosaicos contêm segmentos de genes normais que codificam as PBPs de pneumococos, meningococos e gonococos, mas também regiões que sofreram transformação, por aquisição de segmentos genéticos relativos a resistência à penicilina em Streptococcus pneumoniae ou na Neisseria sp.. (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007; Holmes & Jobling, 1996; Neihardt, 2004; Ryan & Ray; Todar, 2012).
3.Transferência horizontal de genes por transdução
A transdução envolve a presença de bacteriófagos (também designados de fagos), que funcionam como vectores do ADN, do dador para o hospedeiro. Cada fago transporta uma porção pequena de ADN da bactéria destruída anteriormente, protegendo a sua integridade das nucleases existentes no meio envolvente. (Mayer, 2012)
Ao infectar uma nova bactéria, a porção de ADN irá integrar-se no ADN da bactéria infectada.(Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007; Rice & Bonomo, 2005; Todar, 2012). Este mecanismo explica a rápida propagação e aumento das β-lactamases que conferem resistência em algumas bactérias como em Staphylococcus aureus. Pensa-se que a resistência adquirida em Staphylococcus aureus à meticilina advém do mecanismo de transdução. Tal é fundamentado pelo tamanho reduzido da porção cromossómica puder ser transportada pelo bacteriófago. (Rice & Bonomo, 2005)
4.Transferência horizontal de genes por conjugação
A conjugação é um processo que ocorre entre células bacterianas, da mesma ou de diferentes espécies, que ao entrarem em contato direto trocam pequenas porções de material genético, como plasmídeos. (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007; Neihardt, 2004; Rice & Bonomo, 2005; Todar, 2012). Este método foi descoberto por J. Lederberg e E. Tatum, em 1946, ao observarem a transferência de genes cromossómicos entre duas estirpes Escherichia coli. O plasmídeo apresenta-se como uma porção de ADN extracromossómico, que contém genes que permitem a sua replicação autónoma e transferência para outras células. (Mayer, 2012) Alguns plasmídeos contêm um grupo de genes, designados de tra, que significa transfer, e que têm a capacidade de realizar a transferência do mesmo da bactéria dadora (F+) para a receptora (F-), por formação do pili, codificado pelo factor F (ou fator de fertilidade), representado na figura 8. (Neihardt, 2004) No que respeita à resistência aos antibióticos, o plasmídeo designa-se de R plasmídeo, pois incluí genes que conferem resistência aos antibióticos. (Neihardt, 2004).
Nas bactérias Gram positivas, como por exemplo Enterococcus faecalis, a conjugação ocorre mediada por plasmídeos e o envolvimento de genes cromossómicos. A interação entre a célula dadora e a célula receptora dá-se através de proteínas de adesão presentes na dadora. A célula receptora é reconhecida pela libertação de fero-hormonas. Desta forma dá-se a interação entre as duas células, sendo transferindo o plasmídeo. (Neihardt, 2004)
5. Transposição
A transposição é um processo de transferência genética, resultante da interação entre duas bactérias diferentes, que na maioria das vezes utiliza a conjugação como via. Os fragmentos de ADN transferidos designam-se de transposons (Tn). Estes são genes ou grupos de genes que se incorporam num genoma, plasmídeo ou cromossoma através de recombinação. Desta forma, a mobilidade apresentada deve-se à ausência de homologia entre os ADNs recombinates. Um transposon pode ser estável ao incorporar um dado cromossoma ou plasmídeo de uma bactéria. É de citar que o transposon responsável pela beta-lactamase TEM da resistência à ampicilina (TnA) pode passar de um plasmídeo para outro, do plasmídeo para o cromossoma e do cromossoma para o plasmídeo. (Mayer, 2012; Neihardt, 2004; Veiga, 1984; Pádua, 2009).
Um exemplo de transposon conjugativo é o Tn916, encontrado em Enterococcus faecalis, e contém o gene que confere resistência à tetraciclina. Desta forma ocorre a conjugação entre bactérias, por transferência do respectivo transposon. (Neihardt, 2004)
6. Resistência Natural
A resistência natural é uma característica intrínseca de um microrganismo, que ocorre sem uma exposição prévia ao antibiótico. O conhecimento da resistência intrínseca das diferentes espécies ajuda a escolher as estratégias de tratamento empírico. (Rice & Bonomo, 2005).
A resistência das bactérias a determinados antibióticos deve-se a três possíveis razões:
a) A ausência de um processo metabólico influenciável pelo antibiótico (Veiga, 1984);
b) Existência de enzimas que apresentem a capacidade de inactivar o antibiótico (Veiga, 1984);
c) Presença de particularidades inerentes à morfologia bacteriana (Veiga, 1984).
7. Resistência Adquirida
Existem quatro grandes mecanismos de resistência aos antibióticos que são:
a) Alteração da permeabilidade,
b) Alteração do local de ação,
c) Bomba de efluxo;
d) Mecanismo enzimático que altera a estrutura química do antibiótico.
7.1. Alteração da permeabilidade
A permeabilidade da membrana celular é essencial para que o antibiótico tenha o efeito desejado, quer seja bactericida quer bacteriostático. (Goodman & Gilman's, 2008)
Nas bactérias Gram negativas, a membrana interna é constituída por fosfolípidos e na membrana externa por lípidos. A sua constituição confere uma lenta penetração do fármaco e a passagem pela membrana externa é realizada através das porinas, que formam canais hidrofílicos. Os fármacos podem penetrar através da membrana celular de três formas, através da difusão pela porinas, por difusão na bicamada fosfolipídica ou por self promoted uptake.
A penetração na bactéria depende das características intrínsecas das moléculas de antibiótico. Desta forma os compostos hidrofílicos penetram através das porinas (e.g., β-lactâmicos) ou por self promoted uptake (e.g., aminoglicosideos) (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007; Declour, 2009).
Neste tipo de resistência, a modificação da permeabilidade do antibiótico pode dever-se às alterações estruturais, do número, da seletividade ou do tamanho das porinas (Ryan & Ray).
Os antibióticos como os β-lactâmicos, fluoroquinolonas e tetraciclinas penetram no interior da célula através de porinas presentes na membrana externa.
Qualquer diminuição na função ou quantidade de porinas levará à resistência da bactéria ao antibiótico, baixando o nível de antibiótico no interior da bactéria. Este é o mecanismo de resistência observado relativamente aos aminoglicosídeos, à fosfomicina, quinolonas e tetraciclinas (Neu & Gootz, 1996).
RESISTÊNCIA AOS AMINOGLICOSÍDEOS
Os antibióticos aminoglicosídeos conseguem penetrar tanto em bactérias Gram positivas como em Gram negativas. A resistência a estes antibióticos, em parte, está relacionada com a falta de transporte dependente de oxigénio. Pode dever-se a um defeito na proteína de ligação, isto é na enzima adenilato ciclase ou na adenosina monofosfato cíclica (cAMP). Esta alteração ocorre em certos Gram positivos como a Staphylococcus aureus. No que respeita à família Enterobacteriaceae e Pseudomona aeruginosa a resistência deve-se à alteração das porinas (Neu & Gootz, 1996).
RESISTÊNCIA À FOSFOMICINA
A fosfomicina entra na célula por um sistema de transportes de glucose-6-fosfato ou glicerol-fosfato. Este sistema de transporte não está muito desenvolvido nas bactérias Gram positivas, sendo que a concentração do antibiótico no interior da célula, não alcança o mínimo para inibir a síntese da parece celular. Em relação às bactérias Gram negativas a resistência dá-se pois algumas bactérias conseguem sobreviver sem este transportador, enquanto outras recebem plasmídeos e transposons que codificam a resistência a estes antibióticos, como por exemplo Serratia marcescens (Neu & Gootz, 1996).
RESISTÊNCIA ÀS QUINOLONAS
Para que as fluoroquinolonas exerça a sua função é necessário alcançarem o citoplasma, onde estão localizadas as enzimas ADN girase e topoisomerase IV. No entanto as alterações que ocorrem na membrana externa das bactérias Gram negativas estão relacionadas com um decréscimo do uptake e aumento da resistência a esta classe de antibióticos. No que respeita às Gram positivas, esta diminuição do uptake ainda não foi comprovada, no entanto, verificam-se baixos níveis intrínsecos de fluoroquinolonas (Rice & Bonomo, 2005).
RESISTÊNCIA ÀS TETRACICLINAS
No que diz respeito às tetraciclinas, um dos mecanismos plausíveis para a alteração de permeabilidade destes antibióticos é a alteração das porinas, como a OmpF. Assim há limitação da difusão do antibiótico para a zona periplasmática das bactérias Gram negativas (Speer, Shoemaker, & Salyers, 1992).
7.2 Alteração do local de ação
Este tipo de resistência caracteriza-se pela diminuição ou mesmo ausência de afinidade do antibiótico ao local de ligação. Esta ocorre por alteração da estrutura do peptidoglicano, interferência na síntese de proteínas ou na síntese de ADN,
Alteração da estrutura do peptidoglicano
A alteração da estrutura do peptidoglicano consiste na inibição das enzimas que participam na construção do mesmo. Este mecanismo de resistência é observado em diversos antibióticos tais como, beta-lactâmicos e glicopeptídeos (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007).
Resistência aos beta-lactâmicos
No que diz respeito à resistência aos antibióticos β-lactâmicos, provém de mutações nas PBPs que levam à diminuição da afinidade da ligação do antibiótico ao local de ação. As bactérias Staphylococcus aureus resistentes à meticilina, e Streptococcus pneumoniae resistentes à penicilina são exemplos da resistência aos antibióticos β-lactâmicos (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001).
O Staphylococcus aureus e Staphylococcus sp. de coagulase negativa adquiriram o gene cromossómico, mecA, codificando a PBP, que os torna resistentes aos β-lactâmicos. A resistência à meticilina e oxacilina por parte do S. aureus (MRSA – Methicilin-Resistant Staphylococcus aureus), ocorre na presença do gene mecA, que codifica a PBP2a. Esta é uma nova PBP distinta das restantes presentes nesta bactéria e que diminui a afinidade pela maioria dos antibióticos β-lactâmicos. A elevada resistência deste gene provoca inibição de todos os beta-lactâmicos, e mantém ativa a síntese da parede celular mesmo na presença de concentrações letais do antibiótico (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007; Hawkey, 1998).
Os estreptococos apresentam codificação para seis PBPs diferentes, tais como PBP1a, PBP1b, PBP2a, PBP2b, PBP2x e PBP3. Tanto em Streptococcus pneumoniae, como em Streptococcus mitis ocorre a presença de PBPs especiais, como a PBP2a, que reduz a afinidade pela penicilina e a PBP2x que diminui a
Resistência aos glicopeptídeos, tais como a vancomicina e a teicoplanina
A resistência adquirida aos antibióticos glicopeptídeos, como a vancomicina e teicoplanina, tem como base a alteração do local de ligação, isto é, a passagem da acil–D-Ala-D-Ala para acil–D-Ala-D-Lac ou acil–D-Ala-D-Ser no terminal C. Esta mutação deve-se à presença do gene vanA, que resulta no fenótipo VanA, uma nova enzima D-Ala-D-Ala ligase. Com esta mutação a afinidade da vancomicina e teicoplanina diminui face à camada de peptidoglicanos primitiva. Caso a alteração ocorra devido ao gene vanB, então a resistência adquirida é só conferida à vancomicina (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007; Fluit, Visser, & Schmitz, 2001; Wright, 2003).
7.3 Interferência na síntese de proteínas
Uma das formas de resistência é a modificação do alvo específico, interferindo com a síntese de proteínas (e.g., aminoglicosídeos, tetraciclinas, macrólitos, estreptograminas, oxazolidinonas) ou na transcrição através da ARN-polimerase (e.g., rifampicina) (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007).
RESISTÊNCIA A MACRÓLITOS, LINCOSAMIDA E ESTREPTOGRAMINA B
Os macrólitos, lincosamida e estreptogramina B (MLSB) actuam ligando-se à subunidade 50s do ribossoma, das bactérias Gram negativas, bloqueando a síntese proteica. A resistência dá-se por alteração no 23s ARNr, sendo que acontece na pós – transcrição por ação da enzima adenina-N6-metiltransferase. O gene erm está envolvido na síntese destas metilases. Para além das mutações no 23s ARNr, também se podem suceder alterações nas proteínas L4 e L22 da subunidade 50s, o que confere resistência aos macrólitos em Streptococcus pneumoniae (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007).
RESISTÊNCIA ÀS OXAZOLINONAS, COMO A LINEZOLIDE
O mecanismo de ação das oxazolinonas, como a linezolide, envolve diversos estágios na síntese de proteínas. Quando ocorre a ligação, não se dá a formação do complexo de iniciação, o que interfere com a translocação do peptidil-ARNt do sítio A para o sítio P. A resistência tem sido relatada numa série de microrganismos, incluindo em Enterococcus sp. e está associada às mutações no 23s ARNr, resultando na diminuição da afinidade da ligação. (Rice & Bonomo, 2005).
RESISTÊNCIA AOS AMINOGLICOSÍDEOS
Quando ocorrem mutações no gene 16s ARNr verificam-se resistência aos aminoglicosídeos. Por exemplo, ao haver metilação pós-transcricional do 16s ARNr, afeta a ligação dos antibióticos aminoglicosídeos.
Em relação à resistência à estreptomicina em Mycobacterium tuberculosis é adquirida, por mutações cromossomais no gene rpsL, que codifica para a proteína ribossómica 12s (Dzidic, Suskovic,& Kos, 2007).
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RESISTÊNCIA ÀS TETRACICLINAS
Existem proteínas no citoplasma que protegem o ribossoma de ser alvo das tetraciclinas. Estas atuam ligando-se ao ribossoma e alteram a sua conformação, protegendo o ribossoma da ação destes antibióticos. Os antibióticos mais afetados com este mecanismo são a doxiciclina e minociclina. Esta forma de resistência é mais acentuada do que a verificada pela presença de proteínas de efluxo (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001; Rice & Bonomo, 2005).
7.4 Interferência na síntese de ADN
Este mecanismo de resistência por interferência na síntese da ADN está descrito para os antibióticos fluoroquinolonas (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007).
RESISTÊNCIA ÀS FLUOROQUINOLONAS
A resistência às fluoroquinolonas deve-se às mutações em regiões específicas nos genes estruturais, que fazem com que o antibiótico não se ligue às enzimas. Esta é a mutação mais comum encontrada na presença destes antibióticos. Nas bactérias Gram negativas a ADN girase é o principal alvo de todas as quinolonas. Nas bactérias Gram positivas tanto pode ser a ADN girase como a topoisomerase IV, dependendo da fluoroquinolona considerada (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007; Fluit, Visser, & Schmitz, 2001).
A região que determina a resistência às quinolonas é caracterizada por uma pequena região de codões do 67 ao 106 no GyrA, na bactéria Escherichia coli (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001). Embora se pense que as quinolonas interajam principalmente com a subunidade A da ADN girase, foram descobertas mutações na subunidade B, o que confere resistência no caso das bactérias Escherichia coli. No entanto a frequência de mutações no gene gyrB é menor do que no gene gyrA, na maioria das espécies. Em relação à enzima topoisomerase IV, a sua subunidade ParC é homóloga à GyrA e a subunidade ParE é análoga à GyrB. As bactérias Gram positivas, tais como Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae, têm sido alvo de estudo desta resistência. As mutações ocorrentes codificam uma alteração de aminoácido, na amina terminal do ParC, em ambos estafilococos (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001).
7.5 Bomba de Efluxo
As bombas de efluxo são proteínas presentes nas membranas onde ocorre o transporte ativo dos antibióticos do meio intracelular para o meio extracelular (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007). Este mecanismo afeta todas as classes de antibióticos, no entanto apresenta maior eficácia na presença de macrólitos, tetraciclinas e fluoroquinolonas, pois estes inibem a biossíntese de proteínas e de ADN (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007).
Existem diversos tipos de bombas de efluxo, que se categorizam em cinco classes de transportadores, tais como, major facilitator family (MFS), multidrug and toxic efflux (MATE), resistance-nodulation-division family (RND), small multidrug resistance (SMR), adenosine triphosphate binding cassette (ABC).3 A MFS, MATE, RND e SMR funcionam por troca de protões, enquanto que a ABC actua por hidrólise de ATP (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007).
RESISTÊNCIA ÀS TETRACICLINAS
No caso das tetraciclinas pode haver efluxo devido a bombas de efluxo da classe MFS. Estas proteínas exportadoras estão associadas às proteínas de membrana cuja a síntese é codificada pelo gene tet. Com o aumento do efluxo, a concentração de antibiótico irá diminuir intracelularmente, fazendo com que a aminoacil-ARNt se ligue no local A do ribossoma (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001).
Resistência aos MLSB (Macrólitos, Lincosamida e Estreptogramina B)
Nas últimas décadas, o número de resistências em bactérias Gram positivas têm vindo a aumentar na presença do grupo de antibióticos MLSB. Esta situação deve-se à presença de genes, que codificam a síntese das proteínas que constituem as bombas de efluxo nestas bactérias. Em tempos, julgava-se que a resistência aos macrólitos era simplesmente codificada pelo gene erm. No entanto, hoje em dia sabe-se que esta resistência é codificada pelos genes mef, msr e vga, em cocos Gram positivos. Estes codificam as bombas de efluxo que levam à saída dos antibióticos MLSB, diminuindo a sua concentração no interior da célula, deixando o ribossoma disponível para a síntese protéica. Foram caracterizados dois genes mef, o gene mefA, descoberto no Streptococcus pyogenes e o gene mefE, encontrado em Streptococcus pneumoniae.
Os estreptococos só possuem o gene mef, o que confere resistência aos macrólitos, e não aos restantes antibióticos do grupo MLSB. No que respeita aos genes msr, estes codificam a resistência aos macrólitos e à estreptogramina B. Foram caracterizados dois genes msr, o msrA e o msrB em Staphylococcus aureus. Também foram encontrados outros genes, como o vga e o vgaB em estafilococos, que codificam a resistência à estreptogramina A. As bombas de efluxo específicas para a lincomicina são codificadas pelo gene lmrA, encontrado em Streptomyces lincolnensis. (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001)
RESISTÊNCIA ÀS FLUOROQUINOLONAS
As fluoroquinolonas para conseguirem exercer a sua acção, é necessário entrarem na célula bacteriana. Tanto as bactérias Gram negativas como as bactérias Gram positivas apresentam sistemas de efluxo dependente de energia não específicos. Por exemplo, nas bactérias Escherichia coli a bomba de efluxo AcrAB-TolC é a principal responsável pelo efluxo destes antibióticos. O mecanismo de resistência presasse pela mutação no gene acrR que aumenta a actividade da bomba de efluxo. (Jacoby, 2005)
7.6 Mecanismo enzimático
O mecanismo enzimático de resistência devido a inactivação do fármaco resulta da produção, pela bactéria, de enzimas que degradam ou inativam o antibiótico. Existem três grandes estratégias, tais como, hidrólise, transferência de um grupo ou processo redox. (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007)
Hidrólise de antibióticos
A estrutura dos antibióticos contém grupos ésteres e amidas, fazendo com que sejam susceptíveis às hidrolases. A quebra da ligação destes grupos é feita na presença destas enzimas, que podem ser excretadas pelas bactérias, atuando na inativação do antibiótico antes que este atinja o seu alvo. (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007)
RESISTÊNCIA AOS B-LACTÂMICOS
O caso clássico são as amidases hidrolíticas, isto é, as b-lactamases, que quebram o anel b-lactâmico das penicilinas e cefalosporinas. Existem dois mecanismos moleculares empregados pelas enzimas b-lactamases para hidrólise destes antibióticos. Assim, a quebra do anel b-lactâmico dever-se à ação do nucleófilo Ser ou através do grupo dependente de zinco, nas designadas metalo-b-lactamase, que é ativado na presença de água. Muitas bactérias Gram negativas e Gram positivas produzem diversas enzimas, entre as quais diversos tipos de b-lactamases. As b-lactamases de espectro estendido (ESBLs) medeiam a resistência a todas as penicilinas, cefalosporinas (por exemplo ceftazidima, cefotaxima e ceftriaxona) e aztreonam. Existem mais de 180 ESBLs identificadas, principalmente em Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis e outras Enterobacteriaceae. (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001; Hawkey, 1998; Rice & Bonomo, 2005; Wright, 2003; Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007)
Transferência de grupos
O segundo mecanismo de inactivação dos antibióticos é o de transferência de grupos, nos quais se realçam as enzimas transferases. Os antibióticos mais afetados são os aminoglicosídeos, anfenicóis, fosfomicina, estreptograminas e macrólitos, nos quais há a aquisição dos diversos grupos químicos, como o adenilil, fosforil ou acetil. Desta forma a ligação antibiótico – alvo fica comprometida. As reações que podem suceder são O-acetilação, N-acetilação, O-fosforilação, O-nucleotidilação, Oribosilação, O-glicosilação e transferência do grupo tiol. Estas dependem da presença de co-substratos como ATP, acetil – Coenzima A, NAD+, UDP-glucose ou glutationa, restringindo-se ao citoplasma. (Dzidic, Suskovic, & Kos, 2007; Rice & Bonomo, 2005)
RESISTÊNCIA AOS AMINOGLICOSÍDEOS
No caso dos aminoglicosideos já estão descritas mais de cinquenta enzimas, estando a maioria associadas a Gram negativos. Dependendo do tipo de modificação que suceda, estas enzimas são classificadas como acetiltransferases aminoglicosídeos (AAC), adenililtransferases aminoglicosídeos (ANT) e fosfotransferases aminoglicosídeos (APH).
Os aminoglicosídeos são modificados no grupo amino pela enzima AAC e no grupo hidroxilo pelas enzimas ANT e APH, perdendo a capacidade de ligação ao ribossoma (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001; Leclerco, Glupczynski, & Tulkiens, 1999).
Os estafilococos, são uma das bactérias que consegue inactivar estes antibióticos, através da ação enzimática. A enzima ANT(4’)-I é codificada pelo gene ant(4’)-Ia, e confere resistência à gentamicina, tobramicina e canamicina. Este gene encontra-se em pequenos plasmídeos e integra a região mec do cromossoma do Staphylococcus aureus. A enzima bifuncional AAC(6’) e APH (2’’) é codificada pelo gene aac(6’)-I + aph(2’’), que se localiza no transposão 4001 (Tn4001). Assim confere resistência à gentamicina, tobramicina e canamicina. A neomicina e canamicina também podem ser inativadas pela enzima APH(3’)-III, codificada pelo gene aph(3’)-IIIa, presente no Tn5405, tanto em cromossomas como em plasmídeos (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001).
As bactérias Gram negativas, como a Serratia marcescens também altera enzimaticamente os aminoglicosídeos como a gentamicina. A enzima que medeia esta reação é a AAC(3)-V. Na maioria dos estudos realizados o gene que codifica esta enzima está num plasmídeo de conjugação (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001).
RESISTÊNCIA A ANFENICÓIS, COMO O CLORENFENICOL
A resistência ao cloranfenicol deve-se à inativação enzimática do mesmo, na presença da enzima acetiltransferase. Muitas enzimas descobertas estão codificadas pelos genes cat, tanto nas bactérias Gram positivas como nas Gram negativas. As enzimas acetiltransferases do cloranfenicol são subdivididas em duas classes, A e B, face à sua estrutura. A CAT da classe A, CAT-III, pertence a Escherichia coli, enquanto que a CAT da classe B pertence a Pseudomonas aeruginosa. Em termos moleculares o que acontece é um ataque nucleofílico da CAT III ou CAT classe B, com grupo His, ao grupo hidroxilo do cloranfenicol (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001).
RESISTÊNCIA À FOSFOMICINA
A fosfomicina pode ser degradada enzimaticamente através da enzima FosA, que é uma metalo-enzima, que está codificada em plasmídeos encontrados em bactérias Gram negativas e nos cromossomas em Pseudomonas aeruginosa. Esta enzima, por exemplo, catalisa a abertura do anel da fosfomicina, usando o tiolato ou glutationa como centro nucleofílico (Wright, 2003).
RESISTÊNCIA AOS MLSB
No grupo MLSB, foram descobertos alguns genes que contribuem para a resistência bacteriana, por inactivação enzimática. As enzimas EreA e EreB hidrolisam o anel da lactona dos macrólitos e as fosfotransferases que inactivam os mesmos por introdução de um fosfato no grupo hidroxilo (2’) do antibiótico, na família Enterobacteriaceae e em Staphylococcus aureus. Muitas nucleotidiltransferases que inactivam a licomicina foram identificadas, tais como, a linA, em Staphylococcus haemolyticus, a linA’ em Staphylococcus aureus e a linB em Enterococcus faecium (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001; Rice & Bonomo, 2005).
Processos redox
Por último, também através de mecanismos enzimáticos, pode ocorrer a inativação do antibiótico por um processo redox, em que ocorre oxidação ou redução induzida pela bactéria patogénica (Wright, 2003).
RESISTÊNCIA ÀS TETRACICLINAS
A oxidação da tetraciclina pela enzima TetX é o mecanismo mais estudado. Nesta inativação ocorre a monohidroxilação da tetraciclina na posição 11a, de forma a romper a ligação Mg2+ que é essencial à acção antibacteriana (Fluit, Visser, & Schmitz, 2001).